A morte está em tudo que escrevo;
a morte está na esperança e derrota
Deito-me e morro;
acordo-te e morro
Sou isso,
um moribundo
perseguido pela morte
Hades me rodeia o tempo todo
De
vento
em
poupa,
diz o brasileiro.
Hades é o pai que não tive
Hades é o que me alimenta;
é com e por ele que me movo
Hades possui vários nomes,
dentro de mim chamo-o de pai
Assim como esse texto,
Hades e seus designíos
me atormentam
Vejo uma sala suja,
com sangue e cadáveres: sou um deles
Sou o medíocre que morreu com o resto
o resto dos desgraçados
que me compõem
Não acredito em Deus
acredito em deuses
é possível morrer em vida?
não morri, mas vi tantos morrerem
odeio os indiferentes,
odeio aqueles que se esquecem,
odeio aqueles se abstém,
odeio odiar o tempo todo
sofro por esse mundo
sofro por aquilo que podia ser
sofro por aquilo que se estabelece como Ser
não me conformo com o fim da Terra
não me alivio em distrações
peço ao planeta que limpe seu solo de nós
os humanos são moribundos
Virgílio diria que somos o que somos
Marx diria o que é — é!
não sou o que imaginei
sou aquilo que poderei ser
não suporto toda essa gente
esse mundo em caos
esse mundo assassino
esse mundo seria um milhão de coisas
menos o paraíso
odeio gente do bem
ai como odeio
sou a contradição:
amo este solo que piso
esse ar que me invade
essa água que me amargura
amo essa gente!
amo aqueles que podem se tornar
amo aquele mundo imaginário
amo aquilo que é real
amo os corajosos
amo os tementes
amor saber que o amor poderá
a força do oraculo me diz:
escreva, paspalho
meus sonhos carregam toda essa putrefação
não há nada que eu crie
onde a inevitável não esteja
a chuva é a morte
a noite é o dia
morrer se aproxima
minha contradição se estabelece:
morrerá em si
renascerá em outro?